Páscoa e pescados: um casamento de 3 mil anos!!
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Por Arnaldo Comin |
Embora a Páscoa seja associada ao clássico coelhinho e seus ovos de chocolate, justiça seja feita: esta época do ano está intimamente ligada ao mundo dos pescados.
Os festejos da Páscoa são muito anteriores ao Cristianismo e já
existiam entre povos pagãos, em decorrência da passagem do inverno para o
período da primavera, representando a fertilidade e a renovação da
natureza.
Como celebração religiosa moderna, a
Páscoa remete diretamente ao judaísmo e teve início em 1250 A.C.,
quando Moisés liderou os hebreus em sua fuga da escravidão no Egito,
atravessando o Mar Vermelho. É a primeira relação histórica entre a data e o peixe.
Para simbolizar a pressa e a privação, os judeus comem na Páscoa, ou
Pesach, que significa “passagem”, um pão não fermentado chamado matzo,
ou “pão dos pobres”. O alimento também não continha sal, uma iguaria
apenas disponível para os ricos egípcios. Naquela é época, a base da
economia do Egito provinha justamente do controle do sal e da produção
de peixe salgado, que servia para alimentar desde os escravos que
construíam suas pirâmides, até a elite do império.
Do Egito, o pescado salgado infiltrou-se em toda a cultura mediterrânea, passando por fenícios, gregos e romanos
e espalhando-se nos séculos seguintes para todos os povos bárbaros ou
preexistentes no resto da Europa, como os celtas, vikings e visigodos.
Com o surgimento do Cristianismo, o casamento entre Páscoa e pescado só
se intensificou. Por ser considerada “quente”, a carne vermelha estava
associada ao sexo e ao pecado. A partir do século IV a sua abstinência
no cardápio durante a Páscoa tornou-se regra, ganhando cada vez mais
espaço no calendário religioso, até ser eliminada em todas as
sexta-feiras. No século VII, foi banida definitivamente a partir de
quarta-feira de cinzas até a sexta-feira da Paixão. Não por acaso, o
consumo de carne vermelha era liberado no período anterior à Quaresma, o
Carnevale.
A
lista de proibições era grande: todas as carnes bovinas, suína e de
aves. Somente os pescados estavam livres para consumo. Com isso, a
indústria da pesca floresceu, com destaque para o povo basco, que passou
a produzir carne de baleia, farta no litoral da baía de Biscaia, no Mar
Cantábrico, e salgá-la em larga escala para depois vendê-la sobretudo
aos franceses. Tanto que na França medieval, pedaços de pele gorda de
baleia eram preparados como uma alternativa barata ao bacon no cardápio
dos dias santos.
A tradição do bacalhau
A partir do contato com os Vikings, no século VII, os bascos
aperfeiçoaram suas técnicas náuticas, construindo barcos mais
resistentes e maiores, capazes de navegar longas distâncias. Foi quando
descobriram uma mina de ouro no Mar do Norte e no Atlântico: o bacalhau.
O País Basco, o bacalhau acabou conquistando toda a Europa e se
arraigando em diversas culturas, como a portuguesa, de onde vem a
tradição brasileira de pratos com este pescado na Páscoa.
Essa troca de culturas, religiões e tecnologias também fez com que os
povos nórdicos aprofundassem sua relação com os pescados, como arenques e
sardinhas, facilmente adaptadas ao cristianismo.
Quando a Inglaterra rompeu com a Igreja Católica, em 1533, o Rei
Henrique VIII, por interesse em estimular a indústria da pesca, decidiu
manter o calendário “magro” na emergente Igreja Anglicana. Em 1563, a
população, farta de tantos dias de jejum de carne, que ocupavam quase a
metade do ano àquela altura, conseguiu derrubar as restrições no
Parlamento. Mas a Páscoa continuou sendo um momento especial para o
consumo dos pescados.
Com tantas conexões históricas, é fácil imaginar porque a Páscoa está
tão ligada à cultura do pescado, seja ele salgado como se fazia
antigamente, ou em uma enorme quantidade de receitas com peixes frescos e
frutos do mar. Por isso, a Páscoa serve tanto para a reflexão e prática
de diversas denominações religiosas, como uma ótima oportunidade para
romper com a monotonia das carnes e reunir a família e amigos para uma
ceia saudável e saborosa.
Mas e o coelho? Como símbolo de fertilidade, o coelho está associado à
passagem do inverno para a primavera, principalmente pelos povos do
norte da Europa, e chegou ao Novo Mundo pelas mãos dos primeiros colonos
alemães, no século XVI.
Fonte: "Sal – Uma história do Mundo" (Mark Kurlansky/Editora Senac) e RUA DO ALECRIM
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