terça-feira, 19 de março de 2013



Páscoa e pescados: um casamento de 3 mil anos!!

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Por Arnaldo Comin
                     
Embora a Páscoa seja associada ao clássico coelhinho e seus ovos de chocolate, justiça seja feita: esta época do ano está intimamente ligada ao mundo dos pescados. Os festejos da Páscoa são muito anteriores ao Cristianismo e já existiam entre povos pagãos, em decorrência da passagem do inverno para o período da primavera, representando a fertilidade e a renovação da natureza.
Como celebração religiosa moderna, a Páscoa remete diretamente ao judaísmo e teve início em 1250 A.C., quando Moisés liderou os hebreus em sua fuga da escravidão no Egito, atravessando o Mar Vermelho. É a primeira relação histórica entre a data e o peixe.
Para simbolizar a pressa e a privação, os judeus comem na Páscoa, ou Pesach, que significa “passagem”, um pão não fermentado chamado matzo, ou “pão dos pobres”. O alimento também não continha sal, uma iguaria apenas disponível para os ricos egípcios. Naquela é época, a base da economia do Egito provinha justamente do controle do sal e da produção de peixe salgado, que servia para alimentar desde os escravos que construíam suas pirâmides, até a elite do império.
Do Egito, o pescado salgado infiltrou-se em toda a cultura mediterrânea, passando por fenícios, gregos e romanos e espalhando-se nos séculos seguintes para todos os povos bárbaros ou preexistentes no resto da Europa, como os celtas, vikings e visigodos.

Simbologia cristã
Com o surgimento do Cristianismo, o casamento entre Páscoa e pescado só se intensificou.  Por ser considerada “quente”, a carne vermelha estava associada ao sexo e ao pecado. A partir do século IV a sua abstinência no cardápio durante a Páscoa tornou-se regra, ganhando cada vez mais espaço no calendário religioso, até ser eliminada em todas as sexta-feiras. No século VII, foi banida definitivamente a partir de quarta-feira de cinzas até a sexta-feira da Paixão. Não por acaso, o consumo de carne vermelha era liberado no período anterior à Quaresma, o Carnevale.

A lista de proibições era grande: todas as carnes bovinas, suína e de aves. Somente os pescados estavam livres para consumo. Com isso, a indústria da pesca floresceu, com destaque para o povo basco, que passou a produzir carne de baleia, farta no litoral da baía de Biscaia, no Mar Cantábrico, e salgá-la em larga escala para depois vendê-la sobretudo aos franceses. Tanto que na França medieval, pedaços de pele gorda de baleia eram preparados como uma alternativa barata ao bacon no cardápio dos dias santos.

A tradição do bacalhau
A partir do contato com os Vikings, no século VII, os bascos aperfeiçoaram suas técnicas náuticas, construindo barcos mais resistentes e maiores, capazes de navegar longas distâncias. Foi quando descobriram uma mina de ouro no Mar do Norte e no Atlântico: o bacalhau. O País Basco, o bacalhau acabou conquistando toda a Europa e se arraigando em diversas culturas, como a portuguesa, de onde vem a tradição brasileira de pratos com este pescado na Páscoa.

Essa troca de culturas, religiões e tecnologias também fez com que os povos nórdicos aprofundassem sua relação com os pescados, como arenques e sardinhas, facilmente adaptadas ao cristianismo.

Quando a Inglaterra rompeu com a Igreja Católica, em 1533, o Rei Henrique VIII, por interesse em estimular a indústria da pesca, decidiu manter o calendário “magro” na emergente Igreja Anglicana. Em 1563, a população, farta de tantos dias de jejum de carne, que ocupavam quase a metade do ano àquela altura, conseguiu derrubar as restrições no Parlamento. Mas a Páscoa continuou sendo um momento especial para o consumo dos pescados.

Com tantas conexões históricas, é fácil imaginar porque a Páscoa está tão ligada à cultura do pescado, seja ele salgado como se fazia antigamente, ou em uma enorme quantidade de receitas com peixes frescos e frutos do mar. Por isso, a Páscoa serve tanto para a reflexão e prática de diversas denominações religiosas, como uma ótima oportunidade para romper com a monotonia das carnes e reunir a família e amigos para uma ceia saudável e saborosa.

Mas e o coelho? Como símbolo de fertilidade, o coelho está associado à passagem do inverno para a primavera, principalmente pelos povos do norte da Europa, e chegou ao Novo Mundo pelas mãos dos primeiros colonos alemães, no século XVI.

Fonte:  "Sal – Uma história do Mundo" (Mark Kurlansky/Editora Senac) e RUA DO ALECRIM

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